15.11.12

the darkness is your divinity

da disputa nervosa entre o meu aspirador e a Acid Queen, deu-se inicio no meu malucador maluco uma sequencia de pensamentos de mesma ordem. lembrei-me do comentário da minha amiga mais perigosa, quando ouviu pela primeira vez as faixas dos discos que justificaram o titulo de Queen of Rock'n Roll, "nervosa ela!", identificada com a potencia na voz de Tina Turner. "é claro, ela apanhava do marido", justifiquei.  
mas acontece que tenho lidado ultimamente com pessoas com sérias dificuldades em expressar o ódio, ou até mesmo a raiva, de outra forma que não seja nelas mesmas. 
me parece que em algum momento do final do seculo passado resolvemos não dizer "não", pra tudo. assim o não deixou de existir dando lugar ao "tudo é permitido" e principalmente ao famoso, "não há mal nenhum". e assim cindimos todos, à la Michael Jackson, para Neverland.
 se o mal não pode existir, o ódio que existe dentro de mim também não, assim não devo lutar contra nada e portanto não há nada a que se libertar. esse fenômeno invadiu os lares e ninguém mais diz "não" aos seus rebentos; já que não passam muito tempo juntos, já que isso é responsabilidade da escola, já que o pai casou-se novamente com uma gostosa e com ela teve outros filhos e vive aparentemente mais feliz, já que foram criados na base da porrada e hoje são frustrados, e assim por diante. quando esses jovens chegam na fase do "grande NÂO", na adolescência, se deparam com os mesmos argumentos; já que a mãe se esfola toda para dar tudo e nunca dizer não, já que o pai trocou a mãe por uma gostosa e com ela teve filhos mais interessantes, já que os dois gastam tanto na escola mais cool da cidade, já que eles são um casal tão bacana e não se separaram... já que eles não têm nada para odiar acabam odiando a si mesmos, por sentirem ódio.
 todo pai que se presa em algum momento deve suportar ser odiado pelos filhos. esse ódio só pode ser posto em alguém que nos ama, que ama também aquilo que odiamos em nós mesmos. para ser transformado, o ódio precisa existir. para isso alguém tem que atuar nesse papel e fazer valer a liberdade. liberdade aqui significa ter tudo o que lhe pertence, também a tristeza, a raiva, a dor, as angustias que nos transformam. liberdade é poder escolher o que fazer com cada parte e com tudo o que é. a Acid Queen superou seu agressor quando se apropriou da própria agressividade; saiu em carreira solo, verdadeiramente autônoma, o que lhe rendeu uma maravilhosa presença de espirito.
 isso me fez lembrar de um comentário de um outro amigo meu, o mais paciente de todos, "the darkness is your divinity". cada um tem sua porção de ódio e trevas, e para cada um existe um container, ou ator.  MJ  não pôde dar uma banana merecida ao seu agressor para se tornar o negro talentoso que a humanidade necessitava na época. cindiu para Neverland, negando a existência do mal, transformando sua aparência em algo bem diferente da sua origem, do seu pai. sua identidade foi tão confusa quanto sua existência.
infelizmente a  manobra de MJ é mais comum hoje dia. 
aquele que nunca "ouviu não" fica sem limites, desesperado, sem lugar para o lado negro e impossibilitado de integração.  
sem o "não", não existimos, não há liberdade. sem darkness não há divinity, nada a integrar, nada faz sentido.
"Those beings who have no soul, have no shadow." ... e assim é.